O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA NA PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL: UM ESTUDO NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL EM ESCOLAS ESTADUAIS INDÍGENAS DE RORAIMA

LUZIA VOLTOLINI

Resumo


A educação escolar indígena no Estado de Roraima é uma modalidade de educação que está em constante discussão entre os responsáveis pela sua gestão e os povos indígenas. Estes, reivindicam uma educação escolar que lhes seja significativa e que contemple os saberes produzidos no convívio entre seus pares e os saberes construídos na escola e na interação com outras sociedades, indígenas e não indígenas. Nesse contexto, esse estudo buscou responder à seguinte questão de pesquisa: Como organizar uma proposta de aprendizagem que possa ser inserida no currículo de Matemática dos anos finais do Ensino Fundamental das escolas estaduais indígenas de Roraima, em atenção às necessidades e aos interesses dos povos indígenas e respeito às determinações legais? Da questão apresentada, delineou-se o objetivo desse estudo, o qual teve o intuito de investigar possibilidades de organização de uma proposta para aprendizagem a ser inserida em um currículo de Matemática para os anos finais do Ensino Fundamental, no âmbito da educação escolar indígena do Estado de Roraima, considerando as necessidades e interesses dos povos indígenas e o atendimento às determinações legais. Para atingir o objetivo principal, direcionou-se os trabalhos por meio de objetivos específicos, os quais buscaram investigar a visão da Matemática e do seu ensino presentes nas propostas ou orientações pedagógicas que direcionam a educação escolar na Escola Estadual Indígena Adolfo Ramiro Levi, bem como a estrutura e organização de tais propostas; investigar a visão da Matemática e do seu ensino junto aos membros das comunidades indígenas participantes; investigar se os conhecimentos tradicionais são valorizados no ensino da Matemática, tanto nos documentos analisados como na visão dos participantes; organizar, aplicar e avaliar Projetos de Aprendizagem como possibilidade para o desenvolvimento da Matemática no âmbito da educação escolar indígena. Teoricamente, a investigação tomou como referência os aportes da Socioepistemologia, da Etnomatemática e da Educação Matemática Crítica e, metodologicamente, inseriu-se em uma perspectiva qualitativa seguindo os pressupostos da pesquisa etnográfica em educação. A investigação teve lugar nas comunidades indígenas Serra da Moça, Serra do Truaru e Morcego, pertencentes à Terra Indígena Serra da Moça; e contou com a participação de 46 sujeitos voluntários, distribuídos entre os líderes das três comunidades indígenas (Tuxauas), gestores escolares, professores de Matemática, responsáveis pelos estudantes, e estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental da Escola Estadual Indígena Adolfo Ramiro Levi, localizada na comunidade indígena Serra da Moça. Para a coleta de dados foram utilizados instrumentos próprios da pesquisa etnográfica em educação, como entrevistas semiestruturadas, questionários, análise de documentos, observações participantes e anotações em diário de campo. A pesquisa de campo foi realizada no período de 1º de outubro de 2015 a 30 de junho de 2016, quando foram aplicados os questionários, ocorreram as entrevistas, foram realizadas as observações participantes, e desenvolvidos os quatro Projetos de Aprendizagem, os quais buscaram contemplar e tomar como referência os conhecimentos que emergem da cultura indígena para a aprendizagem da Matemática. A análise e interpretação dos dados coletados na investigação ocorreram usando como dispositivo a análise textual discursiva a partir de quatro categorias elencadas. Da investigação realizada emergiram a visão e o entendimento da importância do desenvolvimento de uma Matemática educativa, inerente a todas as atividades desenvolvidas pelos sujeitos, desmistificando o discurso Matemático Escolar, o qual reforça a Matemática como ciência pronta e acabada. Os resultados apontaram que os conhecimentos matemáticos tradicionais e o formalmente instituído nas escolas são necessários para os povos indígenas, tanto para a realização de atividades internas e cotidianas na comunidade, como nas atividades que exigem a interação com outras sociedades e, mesmo que tenham o interesse de que os seus saberes sejam valorizados e fortalecidos, estes não estão presentes nas propostas e orientações pedagógicas que direcionam a aprendizagem da
Matemática na educação escolar indígena. Embora não haja orientações que contemplem as práticas culturais no ensino da Matemática na educação escolar indígena estadual, com o desenvolvimento dos Projetos de Aprendizagem constatou-se que o ambiente sociocultural do estudante, quando tomado como referência para o ensino, como proposto pela Socioepistemologia, contribui para a aprendizagem da Matemática. Ficou evidente, como preconizado pela Etnomatemática, que no ensino da Matemática é fundamental valorizar os saberes e fazeres construídos pelo povo envolvido. Também, emergiu a compreensão de que é importante e necessário que os estudantes indígenas se apropriem de conhecimentos matemáticos e se empoderem por meio do conhecimento adquirido, para que a sua atuação na sociedade seja conduzida em igualdade de condições com outras sociedades, como propõe a Educação Matemática Crítica. Como possibilidade de atingir tais propósitos, a aula estendida, apontada pela Socioepistemologia e realizada com o desenvolvimento dos Projetos de Aprendizagem, mostrou-se pertinente de ser tomada como referência para o redesenho do discurso Matemático Escolar.


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